A concepção comum do tempo é indicada por intervalos ou períodos de duração. Por influência da teoria da relatividade, o tempo vem sendo considerado como uma quarta dimensão, usado hoje até na construção civil. Para os gregos o tempo recebia duas nomenclaturas, Chronos, termo para tempo sequencial, o qual podia ser medido, e Kairos, o tempo que não podia ser medido, apenas sentido, vivido.
Como música é uma coisa que não existe, não pode ser medida ou mensurada, a relação com o tempo está correlacionada a percepção e paciência do ouvinte, ouvir música é uma experiência metafísica. Só a música consegue trabalhar com a nossa limitada percepção consecutiva ao tempo, as outras arte que não estão ligadas ao movimento, podem ser abreviadas a uma imagem.
Claro que há a presença de Chronos na relação musical, seja na documentação fiel de uma partitura, ou o dizer em minutos paralelo ao nome da música fixado na contracapa de um disco, mas tanto a partitura quanto o calculo dos minutos não são a música.
Ouvir música é ser pego sempre de surpresas, não se pode dividir uma música em começo meio e fim, tanto que criamos até trejeitos para algumas partes de música, aquele forte refrão em que entra a banda toda vira um fechar dos olhos, aquele lindo quarteto que sobressai a orquestra é acompanhado de um balançar em pendulo do corpo, a cadência interrompida por uma pausa é um parar na respiração.
No início do século quando a tecnologia permitiu a reprodução de uma música sem a necessidade de músicos ou instrumentos, pois estava gravada, rompeu-se uma fronteira , apreciamos música de outrora, fazemos silêncio em minuetos, jantamos ao som de réquiens e não dançamos alguns boleros.
No inicio do século quando se podia apenas gravar um disco de goma-laca de 78 RPM, rotações por minuto, ou seja se tinha a limitação de cerca de 4 minutos por lado do disco havia obviamente a limitação (principalmente à música comercial) do arranjo a ser elaborado. Músicas da década de 50 raramente passam de 3 minutos, geralmente com um solo curto, muitas vezes metade do chorus, um bom exemplo é Tutti-Frutti na gravação de Elvis Presley em 1956. O surgimento do Long Play permitiu maior tempo gravação, cerca de 20 minutos por lado, o que tornou comum o lançamento de discos com 7 músicas por lado, por exemplo o 1º disco dos Beatles, Please, Please Me, de 1964.
Depois da primeira metade da década de 60 e com lançamento de discos como Freak Out, de Frank Zappa, Are You Experienced?, de Jimi Hendrix, Closed to the Edge, do Yes, The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd e com a presença do Sargento Pimenta, cobrindo nossos corações solitários, os discos chamados conceituais, ou seja que eram pensados como uma obra só, e não uma porção de músicas reunidas, foram tornando-se mais presentes. As músicas nestes discos, tem uma estreita relação com outras faixas e com o álbum todo, mesmo tendo cada faixa sua independência.
Obviamente que este formato de trabalho musical seguiu para as apresentações ao vivo, o Isle Wight Festival de 1970, exemplifica. Para um público de 600,000 pessoas, Miles Davis tocou o Bitches Brew e Emerson, Lake and Palmer, misturaram, rock, sintetizadores e Bach, em apresentações muito mais de vanguarda do que populista.
Este conceito espacial do disco e da música, continuou sendo explorado por toda a década de 70, atento me agora ao disco Tales From the Topografic Oceans, do Yes. Este um álbum duplo contendo apenas 4 músicas, uma em cada lado do LP. As músicas não tem refrão, ou se repete uma estrofe igualmente, os arranjos e a concepção do discos, estão mais voltados a um trabalho de proporções eruditas do que a roqueiras. Lançado em dezembro de 1973 alcançou o 1º lugar em vendas no Reino Unido, e o 6º nos Estados Unidos. Como muitas obras de compositores eruditos e destaco os romancistas, o Tales From the Topografic Oceans, exige concentração, atenção e variadas audições para se compreender e começar a cantar junto, pois não se para uma música no meio para ouvir o final depois.
A relação com este tipo de obra, abre nos a percepção a Kairos, à relação do tempo vivido, onde o que se passa, não são minutos ou obrigações pois se a elas estiver atento, não ouvirá a música, o que se passa, são temas, vozes, timbres e imagens no subconsciente.
A música na era da gravação, séc.XX, seguiu a evolução da tecnologia, a cada ano descobriu-se novas e melhores formas de captação do som, reprodução, masterização e divulgação. O caminho natural a se esperar da música é que continuaria a mudar sua maneira de trabalhar com o tempo. Com a constante evolução da tecnologia rompemos a limitação do tempo físico a um disco, não há nem a necessidade do físico, e o que se produz musicalmente ainda é o limitado material vinculado a um LP. Um grupo de câmara ou orquestra, poderia gravar e lançar obras semanalmente, como uma assinatura, obras de um compositor pouco gravado, ou uma pesquisa em andamento, em tempo real, um artista popular pode facilmente pré vender seu disco, um grupo instrumental pode vender seus solos semanais com a velocidade em que conseguem faze los.
A estagnação do formato tempo e música pode representar que ainda estamos em um mesmo período histórico, já que uma das características de diferentes escolas é a relação delas com a natureza, é comum por exemplo, escolas diferentes tratarem o uso do tempo, o uso de vozes simultâneas, e até a quantidade de notas, diferente da outra, uma escola usa suas técnicas até o limite e a escola seguinte busca outro caminho, outras técnicas outra relação com o tempo e a natureza, ao invés de seguir o mesmo caminho. Um exemplo: o classicismo para o barroco; e o cool jazz para o bebop.
Só a música consegue trabalhar com a nossa limitada percepção consecutiva ao tempo, as outras arte que não estão ligadas ao movimento, podem ser abreviadas a uma imagem. A concepção comum do tempo é indicada por intervalos ou períodos de duração
Acredito que devamos buscar novas maneiras de trabalhar o tempo, já que não estamos mais limitados a um espaço físico, como uma sala de concerto, um palco, ou um disco, pois se a sociedade mostra nos novas maneiras de perceber o tempo, devemos também buscar entende-las.