Criação e Improvisação

A música exprime a mais alta filosofia numa linguagem que a razão não compreende.[1]
E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música.[2]


Neste pequeno texto levanto questões pertinentes ao estudo da improvisação coletiva, e do estimulo à criação. Ambas são um terreno que precisa ser cultivado, arado e regado, com discussões estéticas e formais, além da exploração sonora, onde o processo torna-se mais importante que o resultado final, podendo ou não ser concluído e fechado para uma apresentação.
Inicio apresentando uma discussão feita este ano (2015) no Fórum Latino Americano de Educação Musical, ressalto a importância em se aprender canções, como um possível ponto de partida, depois discuto a importância em desenvolver a escuta sonora, partindo assim para a criação propriamente dita, através da imitação, improvisação e a memória musical.
Sugiro ainda a leitura e discussão inversa do texto: memória-improvisação-canção.

Por que aprender música?
“Porque como falar, o ser humano está apto e pronto para a música” disse Violeta Gainza na cerimônia de abertura do XXI FLADEM, e completou, “a educação musical é a apropriação da música, da canção através de algum processo. E como desenvolver através da música, que nas artes é o domínio e controle do som e do tempo, a criatividade, a improvisação e a escuta?
A aula de música deve ser sempre um laboratório de constantes descobertas e invenções, um micro laboratório sociológico de expressões e sentimentos, onde o trabalho do educador é conscientizar, motivar e contagiar.
A criança entre 8 e 11 anos está apta a cantar canções e tocar instrumentos rítmicos e melódicos, mas para Willems “é muito importante que a criança viva os fatos musicais antes de tomar consciência deles” (1970, p. 20) ou seja, que a criança tenha uma experiência sincrética da música, que experimente-a antes de tomar consciência, antes de raciona-la e teoriza-la.
            O início do trabalho dar-se-á com canções pedagógicas, de 2 a 5 notas, e/ou canções artísticas e folclóricas de cunho popular que causem afetividade nos alunos, que lhes atraiam interesse, parece óbvio mas a criança tem que gostar do que está fazendo, de acordo com Willems “comparado aos da fisiologia e do intelecto, o domínio da afetividade é o mais característico do ponto de vista da arte”. (Ibidem, p.67) e conclui:

“Se o som propriamente dito atinge já a sensibilidade do ser humano, musicalmente falando é contudo o elemento melódico que provocará as reações afetivas mais diversas, mais sutis, mas também as menos definíveis (...), ela permite também atingir as regiões mais nobres, as mais elevadas do sentimento humano.” (1970, pg. 69)

As canções podem ser folclóricas co-patrióticas ou não, ressalto a importância da língua ou do texto não ser um empecilho para aprender, é melhor perder tempo explicando e fazendo música, não o texto, ou tradução.
As canções podem ser também de cunho artístico, ou seja com autores definidos e retiradas de seu espaço tempo, quando e para que foram feitas.
E também podem ser de cunho pedagógico, ou seja, feitas para se aprender algo específico. Entre as canções pedagógicas escolhidas estão as canções pentatônicas do livro Orff-Schulwerk, Música para crianças, por serem simples de entoar e fácies de acompanhar com instrumentos melódicos ou percussivos.
            A rítmica será desenvolvida também através do desenvolvimento dos batimentos dos membros, mãos e pés, a percussão corporal, e instrumentos rítmicos fáceis de manipular, como o ganzá, o tambor, o caxixi e o bongo.
Após a memorização das canções e da percussão é essencial a limpeza dos ouvidos. Assim disse Schafer:

Antes do treinamento auditivo é preciso reconhecer a necessidade de limpá-los(...) Ao contrário de outros órgãos dos sentidos, os ouvidos são expostos e vulneráveis. Os olhos podem ser fechados se quisermos; os ouvidos não, estão sempre abertos.” (2011, p. 55)

Agora devemos nos perguntar, criticar e conscientizar a qualidade do que ouvimos, em rádios e televisão, habituamo-nos a ouvir músicas repetitivas, de duas partes com pouco ou nenhum conteúdo poético/literário, toleramos os ruídos estrondosos das ruas e o volume exagerado dos amplificadores, numa competição quase espartana por espaço.

“Qualquer pessoa interessada em música deve ter consciência disso. Se ficarmos todos surdos, simplesmente não haverá mais música. Umas das definições do ruído é que aprendemos a ignorar. E, como nós o temos ignorado por tanto tempo, ele agora foge completamente de nosso controle.” (Ibidem, p. 277)
  
Por isso a “limpeza” dos ouvidos é, além de um procedimento de treinamento auditivo, um elemento essencial para a conscientização do “eu sonoro”, um processo quase Kafkaniano, um processo[3], uma metamorfose[4] de despertar. Sabendo quem somos e o efeito dos sons do mundo sobre nós, aqui encarados como processo gradual da conscientização, saberemos como imitar e copiar o som do mundo, sua paisagem sonora.
            Ouvindo e copiando os sons do mundo estamos aptos ao início da improvisação, se eu consigo reproduzir o que ouvi, significa que compreendi assimilei e dominei aquele material sonoro.
A imitação é o primeiro procedimento para a improvisação e criação. Para Koellreutter:
“O artista tem de ser um aventureiro, no bom sentido. Tem que criar, inventar algo que não exista, o que é uma aventura. Por isso, tem de enfrentar a oposição dos que não entendem ou não querem entender, o preconceito, etc. Mas ele precisa enfrentar a oposição.” (Koellreutter, apud Brito, 2015 p. 76)

A criação em nosso sistema educacional vai abafando e sufocando ano a ano o aluno. Todo educador tem o dever de se interessar e cativar a habilidade criativa dos jovens.
Com Murray Schafer ocorreu um episódio interessante quando foi convidado a dar uma aula para uma turma de 6º ano.
Assim disse a professora de música da turma: “-Classe, o Sr. Schafer é um compositor; ele escreve música para outras pessoas executarem e ouvirem. Vou pedir a ele que converse com vocês e talvez componha algo para tocarem.” (Schafer, 2011, p. 46)
             A sugestão inicial da professora foi convidar Schafer para conversar com a classe, como por educação até, o compositor estivesse distante daquele mundo da sala de aula, como se estivesse no topo de uma montanha e pôde agora descer uns minutinhos do Olimpo para dividir sua experiência e, quem sabe, TALVEZ, compor algo para eles tocarem.
            E assim respondeu Schafer:

         “-Obrigado. Desde que soube que vocês todos também são compositores, pois também estão fazendo sua própria música para tocar, pensei que seria mais divertido compormos uma peça juntos, não acham?” (Ibidem, p. 47)

E foi assim que iniciou-se através de experimentos e provocações motivadas por Schafer a experiência composicional, sonoro dramática que relatou como Máscara do Demônio da Maldade, onde através de sugestões Schafer guiou os alunos a testarem sons e interpretações para compor uma peça juntos.
A metodologia do educador aqui empregada, para ele estava clara, motivando a experiência, e sugerindo alterações, concedeu aos alunos a decisão estilística e sonora do que tocariam, concedeu aos alunos a decisão do compositor.
Essencial para o trabalho de criação é a reflexão e discussão aberta de ideias e possibilidades, no conceito estético artístico, não há certo ou errado, desde que o que se faça seja consciente e intencional.

“A consciência, nessa concepção, não se refere ao mero conhecer, ao conhecimento formal ou a qualquer processo de pensamento, mas, sim ao inter-relacionamento constante entre corpo/mente/ambiente, que implica em ato criativo de integração. O ser consciente aprende e conhece, cria e constrói, em um movimento contínuo de transformação e integração. Desse modo, a percepção do mundo depende do nível de consciência, que é capaz de delimitá-lo tanto em extensão como em tempo” (Brito, 2015, p. 56)


            Quanto mais se conhece, mais cria, mais se percebe, e quanto mais se percebe, mais se conhece, em um ciclo de expansão do conhecimento, da consciência, e da linguagem.
Para Koellreutter a música é “um meio de comunicação, um veículo para a transmissão de ideias e pensamentos daquilo que foi pesquisado e descoberto ou inventado; também uma manifestação da consciência que revela e comunica o ser e estar do humano na cultura” (Koellreutter, apud BRITO 2015, p. 17)
Concluindo, destaco agora a importância da memória, até podendo ser utilizada como procedimento de avaliação. Para Willems “a memória musical é rítmica, auditiva, mental ou intuitiva, (...), é sobretudo, um elemento de continuidade, ela sustenta a consciência da personalidade.” (1970, p.116-117)
A memória musical está associada à imaginação, primeiramente ela é retentiva, e inconsciente, associando à elementos individuais, arquétipos e sociais, por exemplo, ao apresentar uma valsa executada somente ao piano, é comum as crianças dizerem que é música de ballet. Mais tarde a memória pode se tornar consciente e reprodutora, ao decorar uma música por exemplo, e finalmente, como objetivo, a memória torna-se construtiva e intuitiva, como ao apoderar-se de uma linguagem, o samba, o jazz, o rock, uma sonata, um cânone, etc.
Mas só é possível atingir este nível intuitivo criador através da vivência ativa da música. Somente ouvindo e apreciando não se atinge este estágio, é necessário manipular o som, os timbres, a forma, os instrumentos, o processo e a matemática da música.



[1] Arthur Schopenhauer
[3] O processo, romance inacabado de Franz Kafka, escrito em 1920
[4] A metamorfose, Franz Kafka, publicado em 1915.

Kansas-1974

Kansas-1974


Disco de estréia desta banda progressiva americana, com frases virtuosas dobradas no violino, guitarra e teclado, a banda mescla bem a sonoridade do boogie, hard rock, do metal e do rock progressivo 70. A música de abertura "Can i Tell You" é um ótimo exemplo, e as frases menores típicas do metal ficam bem explicitas em Belexes e jorney from Mariabronn.
Pra quem gosta dos renomados discos Leftovertute (1976) e Point of Know return (1977) não vai se arrepender de ouvir o estreante Kansas (1974).

Músicos:
Phil Ehart: bateria
Dave Hope: baixo e vocais
Kerry Livgren: guitarra, piano, moog, e backings
Robin Steinhardt: Violino e voz
Steve Walsh: Piano, congas, piano fender e voz
Rich Willians: violão e guitarra
Jay Siegel: The Tokens: Voz em Lonely Wind

Músicas:
1- Can I Tell You
2- Bring it Back
3- Lonely Wind
4-Belexes
5-Jorney from Mariabronn
6- The Pilgramage
7- Aperçu
8-Death of Mother Nature Suite




Download: http://minhateca.com.br/palamartelo/Musicas/Kansas/Kansas+-+1974+Kansas

Ao Vivo na USP

Gilberto Gil Ao Vivo na USP-1973

Sozinho com seu violão num clima intimista o cantor estava afiado com seu violão, e abriu o diálogo com o público, ele intercala o show entre músicas e conversas.




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Parte 1: https://mega.co.nz/#!ZtFQELgY!Y5dwQS_hAvprNvIcdBal3Q1ZQKxZQwM4JwzRjHUN-a0

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